Mesmo hoje em dia, dirigentes de
Flamengo, São
Paulo e Sport ocasionalmente trocam bravatas ou ações na Justiça por causa da Taça das Bolinhas, troféu
antigamente entregue ao campeão brasileiro de
futebol. Mas, numa época em que a peça ainda não tinha esse status de polêmica, um zagueiro precisou de bravura para defendê-la,
ficando quase nu em campo para salvar a famosa armação de metal.
Estevam Lemos
Soares era o capitão do
Sport em 1987 e foi o responsável por erguer a Taça das Bolinhas na conquista do Brasileiro contra o Guarani, após o abandono de
Flamengo
e Inter da disputa. O campo da Ilha do Retiro foi invadido por
torcedores eufóricos, sendo que muitos deles queriam interagir de
qualquer maneira com o
troféu do primeiro título nacional do time de Recife. Foi aí que o ex-zagueiro precisou agir.
"
Hoje
existe uma segurança muito grande, os repórteres não entram nem em
campo. Quando o time é campeão, monta-se um pódio. Antigamente a torcida
invadia e te depenava", relata Estevam, hoje técnico com passagem por
grandes times do país.
"Foi uma coisa só minha. Começou a volta
olímpica, a torcida veio junto, povão animado, era campeão brasileiro.
Pegavam na taça, e eu não largava. Eu estava cansado, 90 minutos de
jogo, foi desgastante, mas não largava. Se eu largasse, a taça não
estaria aí para contar história. Acho que fiz mais sacrifício para
segurar ela do que para jogar 90 minutos. Ficavam uns dois ou três
puxando camisa, outro calção. Fiquei só de sunga no final. Era
cotovelada num, cotovelada em outro, mas consegui segurar. Ela poderia
estar derretida hoje", descreve o episódio, com bom humor.
Esta
partida final do conturbado Brasileiro de 1987 aconteceu somente no ano
seguinte, em 7 de fevereiro de 1988. Depois de um empate em Campinas, o
Sport definiu a conquista do quadrangular final com uma vitória por 1 a
0, com gol de Marco Antônio.
O Sport ganhou o módulo amarelo
da Copa União sob o comando do então novato técnico Emerson Leão. No
entanto, Jair Picerni foi o treinador no quadrangular decisivo, quando
Flamengo e Inter perderam por WO, ou seja, não apareceram para jogar [
explicamos a confusão em tabela no fim do texto].
"O Jair (Picerni) fazia o treino no sábado cedo e depois liberava. A
gente já sabia que eles não viriam. Era para a gente se apresentar na
Ilha umas 3h ou 4h da tarde. Ia todo mundo para a praia de Boa Viagem,
com a família, namorada ou sozinho mesmo. Estava um sol daqueles, era
começo de ano. Todo mundo tomando cerveja. E o pessoal chegou meio
'quente' no primeiro jogo. O juiz dava a saída, e a gente ganhava por
WO. No outro jogo, vieram mais 'quente' ainda. Eu falei: 'rapaziada, e
se eles tiverem se concentrado de surpresa em Sergipe e vierem jogar?'.
Mas não tiveram jogos e acabou na decisão Guarani x Sport", relembra o
ex-capitão sobre o inusitado desfecho de torneio.
ESTREIA COMO PROFISSIONAL AOS 17 ANOS (MARCANDO PELÉ)
Arquivo pessoal
Estevam Soares tem que marcar Pelé logo na estreia pelo Guarani, com 17 anos e meio
Revelado pelo Guarani, Estevam Lemos Soares estreou em 1974 em um jogo com o
Santos
no Pacaembu. A missão do novato de apenas 17 anos seria simplesmente
marcar Pelé. Foi uma tarde de valioso aprendizado para o zagueiro
iniciante.
"Chegamos ao Pacaembu, eu subi para ver o campo. Um
companheiro chegou e me disse: 'toma cuidado para levantar o pé contra
ele. O Pelé chega de sola e quebra a perna do jogador'. Psicologia era
zero. Mas depois da primeira dividida, uns 10 minutos, ele chegou para
mim: 'ô, garoto, cuidado que você não sabe bater'. Eu falei: 'o senhor
está certo'. Aí eles fizeram 1 a 0, 2 a 0. No fim, o Carlos Alberto
Torres cruzou, e eu subi. Mas o Pelé subiu mais alto e tocou de cabeça.
Ele me falou: 'garoto, quando a bola estiver no fundo, não olha para
ela. Olha para o atacante na área'. Eu falei de novo: 'muito obrigado, o
senhor está certo'. No fim do jogo fiquei com a camisa dele, guardo até
hoje", conta o ex-bugrino sobre a reverência ao rei.
Anos mais
tarde, o zagueiro enfrentou uma grave fratura na tíbia, numa partida
amadora, e ficou mais de um ano fora de atividade. Mesmo assim, Estevam
conseguiu voltar e integrou o elenco do São Paulo que conquistou o
Campeonato Brasileiro de 1977 [
ficou fora da partida do título, por suspensão]. O defensor também passou por
Portuguesa,
Bahia, Vitória, Ponte Preta, entre outros clubes.
TÉCNICO DE TIMES DE PONTA E SAÍDA POLÊMICA DO PALMEIRAS
Fernando Santos/Folha Imagem
Com Diego Souza em treino: desavença com meia minou continuidade no Palmeiras
Como técnico, Estevam Lemos Soares tem como trabalho mais reconhecido a
passagem pelo Palmeiras, entre 2004 e 2005. Também chegou a liderar o
Brasileiro de 2004 com a Ponte Preta e livrou o Botafogo do rebaixamento
em 2009. O treinador ainda comandou Guarani e São Caetano, além de
times de Líbano e Arábia Saudita. Seu último trabalho foi na direção do
CSA, de Alagoas.
A passagem pelo Palmeiras contou com uma
classificação para a Libertadores. No entanto, um entrevero com Diego
Souza durante jogo do Paulistão em Araras minou a continuidade do
trabalho. Neste caso, o meia saiu de campo ofendendo o treinador após
ser substituído de campo.
"Foi o episódio que culminou (na
demissão). Acho que foi o primeiro grande desmando diretivo do
Palmeiras. Nunca eles poderiam ter me demitido naquele momento,
prevalecendo a indisciplina do jogador. Na minha análise, me comportei
muito bem. Me ligaram do Japão, do Leste Europeu, para comentar. Imagina
se eu saio na porrada com um jogador em campo. Agi como profissional.
No dia seguinte, prevaleceu ele. Ficou afastado uns dois ou três dias e
voltou", conta.
"Mas foi também uma coisa de mudança de
diretoria. Saiu o Mustafá (Contursi), que tinha me contratado. O pessoal
que assumiu era da mesma coligação, o (Afonso) Della Monica. Chegaram
pensando em eliminar as coisas do Mustafá. Não mediram esforços para
tirar a comissão técnica", acrescenta o treinador, que espera voltar a
trabalhar no primeiro semestre de 2015.